sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O ANJINHO NO CAIXÃO











                                                            O ANJINHO NO CAIXÃO

               O ar saturado de humidade e um odor a mijo de ratos mal me deixavam respirar. O casebre, enfiado sob um pequeno declive mesmo no centro de Leiria, era iluminado por uma única porta escancarada e pelas velas mortuárias que rodeavam o pequeno caixão - branco e com debruns dourados. No esquife jazia um corpo de bebé. Era um anjinho. Naqueles anos 50 a tuberculose andava à solta como nunca e na ceifa desenfreada levava os mais frágeis: os pobres e os filhos dos pobres.
              Não consegui ficar ali por muito tempo, agoniado pelo cheiro, pela miséria paupérrima e pelo carpir dorido. Levava na retina a imagem daquele caixão.
               Foi só muitos anos mais tarde que percebi a naúsea que me provocavam as mobílias brancas com debruns dourados -estilo Luis XIV - e que estiveram na moda nos anos 80. Arrepiavam-me.
           Regressar ao passado não é uma forma de saudade ou infantilização, mas sim um amadurecimento. O passado deve ficar onde está.

Sem comentários:

Enviar um comentário