O ANJINHO NO CAIXÃO
O ar saturado de humidade e um odor a mijo de ratos mal me deixavam respirar. O casebre, enfiado sob um pequeno declive mesmo no centro de Leiria, era iluminado por uma única porta escancarada e pelas velas mortuárias que rodeavam o pequeno caixão - branco e com debruns dourados. No esquife jazia um corpo de bebé. Era um anjinho. Naqueles anos 50 a tuberculose andava à solta como nunca e na ceifa desenfreada levava os mais frágeis: os pobres e os filhos dos pobres.
Não consegui ficar ali por muito tempo, agoniado pelo cheiro, pela miséria paupérrima e pelo carpir dorido. Levava na retina a imagem daquele caixão.
Foi só muitos anos mais tarde que percebi a naúsea que me provocavam as mobílias brancas com debruns dourados -estilo Luis XIV - e que estiveram na moda nos anos 80. Arrepiavam-me.
Regressar ao passado não é uma forma de saudade ou infantilização, mas sim um amadurecimento. O passado deve ficar onde está.
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