sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

CAGAR SÓ FORA DO COMBOIO (inédito)









                                              CAGAR SÓ FORA DO COMBOIO


           O avô António era um viúvo taciturno, magoado com a vida, e talvez por outras razões minhas desconhecidas. Dele sabia que tinha combatido na 1ª guerra mundial, estivera na Flandres, sobrevivera ao tifo, à tuberculose e ao gás mortífero dos alemães que desfazia os pulmões. Não sofreu uma beliscadura física. Psicológica, não duvido, já que ninguém sai incólume da guerra.
          De vez em quando, falando sozinho com quem interpela os seus fantasmas, referia-se à guerra em duas ou três considerações telegráficas. Desses curtíssimos solilóquios, lembro-me, pelo seu inusitado, ter-se referido à viagem de comboio de Portugal até França.
         - O comboio não parava - dizia perscrutando o silêncio à sua frente -. Quando queríamos cagar, íamos para o fim da carruagem, abríamos a porta, púnhamos o cu de fora e aliviávamos os intestinos.

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