segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

AS LÁGRIMAS DO AVÔ ANTÓNIO




                Meu avô António, depois de ter enviuvado, jantava em casa de meus pais. Era um velhinho encerrado num luto espesso, mirrado e soturno, talvez feridas psicológicas da batalha de La Lys, donde saiu sem uma mazela e de pulmões direitos.
          Lembro-me bem dele a comer à minha frente enquanto ouvíamos as notícias na Emissora Nacional da tomada de Diu, Damão e Goa, ordenada pelo primeiro ministro indiano Pandita Nehru. Era Dezembro de 1961. A reportagem era acompanhada por discursos afogueados e pelo entoar categórico do hino nacional por um povo enredado na propaganda salazarista.
                Meu avô chorava, refugiado em silêncio. Via-lhe as lágrimas a correrem-lhe pelo rosto e a caírem no prato. O repúdio público pela invasão indiana repetiu-se por mais uns dias, com meu avô a reagir com o mesmo silêncio dorido e as mesma lágrimas.
          Na verdade eu estava-me marimbando para que Portugal ficasse sem aquelas três possessões na Índia, restos de um Império Colonial que principiava a desmoronar-se. O que eu não perdoava ao Pandita, isso é que não, é que ele levasse meu avô António às lágrimas. Custa muito ver um velho frágil e nosso a chorar.



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